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     Para qualquer um que a visse, era só mais um chalé abandonado, precisando ser demolido para ceder lugar a um prédio enorme, ou a mais um supermercado. Mas para mim, não.
     Faz muito tempo desde a última vez em que pisei aquele soalho impregnado de histórias, boas e más. Já faz muitos anos que os muros que cercam aquela velha casa não têm portões, só uma parede inteira de concreto cheia de cartazes e pichações.
     Há uma semana recebi uma proposta de compra do terreno. Até que é uma boa proposta, tirar-me-ia do sufoco em que vivo desde que resolvi sair de casa, para tentar a vida junto de minha namorada, que logo viria a ser minha esposa. Minha filha, Marina, morreu poucas horas depois de ver a luz. Seus pumõezinhos nasceram com uma grave deficiência que a impedia de respirar. Minha esposa, Gabriela, foi junto logo após.
     Cinquenta anos já se passaram desde então.
     Hoje, tenho 85 anos e estou aqui, na mesma rua onde aprendi a andar de bicicleta, em frente ao muro onde dei meu primeiro beijo na Gabriela.
     Quando finalmente meu funcionário derruba uma parte do muro, peço que deixe-me entrar sozinho por alguns minutos. Quero rever o que restou da minha memória. Os móveis da sala, corroídos pelos cupins, a lareira coberta de teias de aranha. Sinto que as aranhas dominaram a casa, estão por toda parte. O gramofone, onde meu pai tocava seus discos de ópera,no mesmo lugar onde fora deixado há décadas, ainda com o último disco. Tudo parece estar parado no tempo, é como se meus pais fossem sair a qualquer momento de algum canto da casa, lembrando que o almoço estava servido. Num instante, ouço meu pai ao meu lado:
     -Pensei que nunca mais voltarias, meu piá.
     Dou meia volta e vejo sua figura colossal, de mãos enormes, a segurar meu ombro. Meu velho pai.
     -Pai... Como é que...
     -Não te importes com isto agora. Não te importes com nada. Tu já ultrapassaste as minhas 62 primaveras... sabes mais do que eu quando é hora de parar e refletir. Subas. Sejas bem-vindo de volta.
     Viro-me para olhar a porta, e quando olho de volta, meu pai já não está mais lá. Ao subir, o ranger da escada faz uma analogia perfeita com o ranger dos dentes de minha esposa ao morrer. Sempre fui perseguido por analogias.
     Já no sótão, encaro os restos de minha infância: meus cadernos, nos quais confidenciava minhas desventuras de jovem isolado. Hoje, não passam de palavras soltas no alçapão, perderam seu significado, o sentido de estarem perpetuadas naquelas folhas amareladas. Quem as escreveu já morreu há muito tempo.
     Choro, choro muito, pelos meus pais, por minha filha, por mim mesmo, que nada mais sou do que um erro.















         Menina.
         Menina!
         Eu me lembro muito bem. Era uma menina. Eu já tinha grande expectativa de que fosse mesmo, mas ao receber a notícia era como se tudo passasse a ser real, como se antes fosse apenas uma possibilidade e, então, uma certeza. Era uma menina.
         Minha menina.
         O mundo não poderia ser mais verdadeiro e surreal do que naquele momento, porém, ele o conseguiu ser. Eu não tinha como controlar minhas emoções, tampouco meus pensamentos, quem dera minhas próprias mãos.
         Minha menina era a concretização dos meus mais profundos sonhos, era a realização dos meus desejos mais puros e latentes. Não havia nada que pudesse superar tamanha felicidade; jamais alguém poderia dizer que já havia me visto daquela maneira, porque seria mentira. Aquilo era o ápice do que meu espírito poderia chegar. Nada seria capaz de ultrapassar minha alegria, pois não existia nada mais belo do que aquele momento. Apenas um momento.
         Mas era o meu momento.
         E tão rápido quanto veio se foi. Todas as futuras possibilidades ruíram como um castelo de cartas diante do vento. Uma por uma sendo tiradas de suas posições até não restar mais nada além do pobre e tolo sonhador que ousou usá-las. Não sobrou-me nada, senão a mim mesmo.
         Foi assim que a minha menina me deixou. Levada pelas mãos do Destino sem que eu pudesse lutar. Um anjo de cachos dourados que chegou e partiu, como os fios de ouro naquela velha canção de outono da minha infância. Desde então, minha vida é um eterno inverno. Sem recomeço, nem fim.
E, todas as noites, eu sou capaz de ver pela janela do meu quarto minha garotinha de costas, partindo com seus cabelos dourados sobre a neve, com o gelo sob seus pés descalços. Como se todos os dias, fossem aquele dia; como se todas as mortes fossem dela.  Talvez sejam mesmo. Talvez ela seja um anjo. Um anjo da morte.
Meu anjo.
É o que importa.